domingo, 20 de dezembro de 2009

Formação Teológica


A GRAÇA ATUAL

Realizar uma abordagem sobre a Graça atual requer, primeiramente, a compreensão do que seja a Graça divina. Por isso, entendemos por Graça “o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tornar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes da natureza divina, da Vida Eterna” . Posto tal base, agora podemos dar mais um passo em nosso tema, fazendo apenas a distinção da Graça santificante e da Graça atual.
A Graça Santificante é um hábito (disposição permanente) existente no homem, desde o dia do Batismo, no qual ele foi configurado a Cristo e recebeu a filiação divina, tornou-se participante da natureza divina “divinae consortes naturae” (2Pd 1,4).
Para melhor compreendermos o assunto, vamos analisar algumas questões que giram em torno da nossa temática: o que é a graça atual? Qual o seu fundamento Bíblico? A graça atual é necessária? Quais os meios para alcançarmos esta graça?
Segundo Adolfh Tanquerey, em sua obra “A Vida Espiritual”, a graça atual é um auxílio sobrenatural e transitório que Deus nos dá para nos iluminar a inteligência e fortalecer a vontade na produção dos atos sobrenaturais .
Com outras palavras, podemos dizer que a graça atual são auxílios divinos doados em todos os momentos, de nossa vida cotidiana, em que necessitamos agir e realizar ações boas e atos sobrenaturais, em conformidade com o bem supremo, de acordo com a vontade de Deus.
A doutrina da graça atual está fundamentada em toda a Sagrada Escritura, mas principalmente no Novo Testamento, quando este nos mostra claramente e nos ensina que os atos bons realizados pelos homens têm uma estreita ligação e dependem especialmente da moção interior de Deus.
A Sagrada Escritura para demonstrar o impulso de Deus no homem para que ele possa praticar o bem, utiliza-se de várias imagens da ação divina: a) Deus que abre o coração do homem: At 16,14; Lc 24,32.45; b) Deus que visita: Lc 7, 16; 19, 44. A visita é um encontro com Deus, que traz salvação a ser acolhida com fé ; c) Imagem da iluminação da mente ou do coração: Ef 1,18; 2Cor 4,6; Jo 1,9; d) O Senhor que ensina no íntimo do coração: Jo 6,45; 14,26; e) Textos que falam de chamado, convite de Deus ao homem: Mt 2,17; 23,37; Gl 1,15; 2Tm 1,9; f) A atração divina: Jo 6,44; 12,32; g) Jesus que afirma “Sem mim nada podeis fazer”: Jo 15,5.
Estes textos bíblicos nos mostram vários aspectos da ação interior da graça que move o homem a agir diretamente ao bem. E também, mostram significativamente que todos os homens, quer seja cristão pelo batismo, portador da graça santificante, quer sejam “pagãos” necessitam do auxilio (auxilium, adiutorium) de Deus para realizar obras de acordo com o bem. Pois, sem a ajuda divina é totalmente impossível que o homem consiga realizar o bem e evitar o mal. A este auxílio, frisa Bettencourt, é dito “graça atual”, porque é dado em vista de tal ato bom .
Na doutrina dos Santos Padres da Igreja e nas diversas definições sobre a Graça, apesar de não utilizarem a expressão “graça atual” inicialmente, mas já está explicito o conceito e a afirmação da necessidade da graça.
Mediante a ação do Espírito Santo, no batismo, o cristão obtém a Graça habitual, a justificação. No entanto, existem atos precedentes que são realizados mediante os auxílios, ou seja, as graças atuais. Assim, podemos constatar que estas “no justo hão de ser vistas como o desenvolvimento, a floração e a irradiação da graça habitual; no pecador, como a concreta plasmação da vontade salvífica divina, que toca o interior do homem e o predispõe à conversão” .
De modo explicito o caráter de necessidade das graças atuais, está expresso nos diversos artigos do decreto sobre a Justificação, do Concilio de Trento, na 6ª sessão (13.01.1547). Vejamo-las: 1) É necessária a graça preveniente de Deus para a preparação à justificação e para iniciar o movimento até Deus (DS 1525s; 1553s); 2) Deus ajuda para que seja possível a observância dos mandamentos (DS 1536); 3) Deus inicia a obra boa e a leva ao término, sem a graça não se pode perseverar na justiça (DS 1541; 1572); 4) A força da graça sempre precede, acompanha e segue a obra boa (DS 1546).
Além deste esquema do Concilio de Trento podemos sintetizar em 3 pontos a necessidade da Graça atual na vida do ser humano perante as duas realidades, tanto de pecador como de justificado. Ela é necessária: a) porque a criatura jamais pode ser independente do Criador. A criatura necessita dos auxílios divinos para executar suas tarefas mais fundamentais, pois sem ele não pode atingir a plena realização; b) ao homem pecador, em conseqüência do pecado original e dos próprios pecados pessoais, pois traz dentro de si a concupiscência. Neste caso a graça vem como auxilio curativo, sanante (gratia sanans); c) ao homem pecador, que é eleito para que contemple a Deus face-a-face. No entanto, isso só é possível mediante um auxilio sobrenatural, uma elevação da natureza humana para participar de tal dignidade (gratia elevans).
Dentro da necessidade da graça entra o problema da liberdade humana. As definições do magistério da Igreja nos atestam que a graça não anula a liberdade, mas a fortifica e inclusive a faz possível. Para nós é importante compreender que “a ação de Deus e a ação do homem não se podem colocar no mesmo plano como concorrentes, mas que Deus possibilita e sustenta nossa ação livre” . Entretanto, é visível em nosso agir que a liberdade pode resistir a ação da Graça (livre-arbítrio) e assim fechar-se a ação de Deus. Contudo, Deus sempre quer salvar a todos os homens e a graça divina não deixa de ser tal como é porque nós resistimos a ela.
Os principais meios para a obtenção da graça são: a oração e os sacramentos, em especial a Sagrada Comunhão. Também os sacramentos do Batismo (dá a graça santificante) e da Penitência (restitui a graça santificante perdida com o pecado mortal), por sua vez os outros sacramentos aumentam a graça naqueles já em estado de graça.
Além destes meios, podemos receber graças atuais através: 1) Das boas ações: tais como oferecimento de ações, sacrifícios pela Igreja, oferecimento da Missa, escuta atenta da palavra de Deus. As boas ações são necessárias, pois Deus não nos salvará sem a nossa cooperação; 2) Existem outros meios além das boas ações: pregações, lendo bons livros, doença e morte de um conhecido, conselho dos superiores e amigos, bom exemplo ...
Perante estes fatos temos na História da Igreja vários exemplos de pessoas que foram convertidas por meio das graças atuais doadas por Deus num determinado momento de suas vidas: os primeiros convertidos no Pentecostes foram movidos pela pregação dos Apóstolos; Sto. Inácio de Loyola foi movido pela leitura de vidas de santos; S. Francisco de Assis, durante uma doença; S. Francisco Borja olhando o corpo falecido da Rainha Isabel.
Portanto, Deus está sempre derramando as graças atuais sobre todos os homens para que movidos e iluminados possam agir conscientemente e por meio dos atos sobrenaturais e bons glorifiquem a Ele, supremo Bem, e santifiquem a si e a humanidade inteira.

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