segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Justificação pela Fé
Sabemos que ao longo dos dois primeiros capítulos da Carta aos Romanos, Paulo apresenta os pressupostos de sua tese de justificação que é o fato de tanto os gentios como os judeus, abstraída a redenção operada por Cristo, serem objetos da ira divina. Ele o faz mostrando que tanto uns como outros foram incapazes de seguir a lei dada por Deus, quer os judeus à lei explicita e positiva, quer os gentios à lei natural cognoscível pelo uso da razão.
Ele insiste ainda em depreciar essa lei dado que só pode dar o conhecimento do que deve ser feito e do que deve ser evitado, não capacitando para tal, o que complica mais ainda a situação do homem.
Ao longo do capitulo terceiro ele passa a apresentar então como se dá a Justificação dos Homens da parte de Deus mediante a fé. Ademais de todos serem culpados, de todos terem pecado , a justificação se dá gratuitamente (por iniciativa libérrima de Deus) por meio da fé em Jesus Cristo, e isso se dá independentemente da Lei, embora não em contraposição a essa, como erroneamente foi interpretado por alguns de seus contemporâneos, considerando-o assim como um anarquista ou um anomista. O que evidencia a não contraposição a lei, é o fato de essa mesma lei (e quando dizemos lei temos em mente o Pentateuco e os Profetas) ter se considerado como insuficiente para a justificação do homem, de modo que apontou para um futuro em que outro o faria em seu lugar. Quando Paulo fala sobre a manifestação da justiça divina testemunhada pela lei e os profetas podemos lembrar de passagens encontradas como as de Ezequiel e Jeremias que falam sobre a Nova Aliança, sobre uma transformação do pecador, tirando um coração de pedra e concedendo-lhe um coração de carne .
A justificação se dá para todos igualmente, gratuitamente (dado que todos pecaram) e isso se dá em virtude da redenção realizada por Cristo Jesus, quando Deus o pôs em nosso meio como instrumento de propiciação . É interessante notarmos a relação que Paulo faz entre esse “instrumento de propiciação” e o “tempo da paciência de Deus” . O propiciatório era a chapa de ouro posta sob a arca da aliança sob o qual era aspergido o sangue do sacrifício expiatório anual almejando o perdão dos pecados de todo o povo de Israel . Era um sacrifício ineficaz, conforme pode ser confirmado em toda a Carta aos Hebreus, e por isso precisava ser repetido anualmente. Deus “suportou pacientemente” todos esses sacrifícios porque tinha os olhos postos neste Verdadeiro Propiciatório (o Corpo de seu próprio Filho) do qual os demais eram meras sombras, e que seria o sangue de seu Filho que redimiria eficaz e verdadeiramente todos os pecados de todos os pecadores de todos os tempos.
A critica ferrenha de Paulo a uma justificação pelas obras da lei está no fato de isso restringir Deus apenas a um Deus dos judeus, que seriam salvos pelos méritos de sua própria ação, de modo que a salvação não seria GRAÇA, mas RETRIBUIÇÃO DEVIDA os esforços por eles realizados em sua própria justificação (doutrina esta presente em nossa história cognominada por pelagianismo).
Deus justifica a todos pela fé em seu filho Jesus (e não uma fé “abstrata” em uma divindade qualquer, ou mesmo no Deus único dos israelitas). Essa fé deve ser compreendida da seguinte maneira: o homem tenta, por meio de suas forças, não só uma, mas várias vezes, alcançar a justificação, o perdão de seus pecados. Por tantas vezes quanto tentar por si só, será o número de vezes que certamente falhará. A fé em Jesus consiste então em que este homem se aproxime humildemente de Deus e lhe implore que, mediante os méritos alcançados pelo seu Filho na sua morte e ressurreição, ele possa dar-lhe o Espírito de seu Filho, que diferente da lei, não só dará o conhecimento do que deve ser feito e evitado, mas operará uma transformação real no ser, que CAPACITARÁ o homem à fazer aquilo que é da vontade de Deus, ou seja, realizará uma aproximação das vontades (humana e divina). Isso feito, faz desnecessária a lei, que era outrora externa ao homem, uma coação externa, que passa a ser agora internalizada. O homem a vê agora como sua própria vontade, e não precisa mais ser obrigado a faze-la, ou faze-la de mau grado, pois passa a ser sua própria vontade. Isso só é possível pela transformação operada no cristão pela presença do Espírito de Jesus que realiza no homem todas as promessas feitas à humanidade até então, de modo especial, a encontrada no profeta Ezequiel: coração novo, lei escrita no coração, e não em tábuas de pedra .
É essa fé em Jesus Cristo (adesão total à sua pessoa e recepção, por meio dele, do Espírito Santo) que justifica gratuitamente o cristão. Mas essa fé não implica uma passividade por parte do pecador, ou a exclusão de operatividade. Exclui sim, qualquer prática que presunçosamente busque a auto-justificaçao. Implica sim, em contrapartida, uma operatividade explicitada no amor . Trata-se de uma resposta de amor (adesão) a uma pessoa que agiu exclusivamente por amor, dando sua própria vida por nós. Nenhuma obra anterior à essa justificação poderia ser meritória ou proporcional a tamanho dom divino. Qualquer obra seria totalmente desproporcional à graça recebida do perdão dos pecados, da filiação divina e participação da natureza divina. A partir desse momento, todas as obras do homem realizadas são meritórias, mas não por ele mesmo, mas mais pelo fato de estar agora unido a Deus, de modo que seu atuar passa a ser um atuar de Cristo nele, ao ponto do cristão poder dizer “não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim .
Não podemos deixar de ver todo essa transformação operada pela ação do Espírito Santo a que chamamos Justificação como o início de um processo que já estava na pré-ciência de Deus e no qual o cristão deve esforçar-se por corresponder ao amor de Deus manifestado por ele em Cristo Jesus. Sabemos que a atuação dessa graça em nós realizada no momento do batismo fez do pecado que habitava em nosso ser como que um cadáver em nosso interior... Mas graças à liberdade por Deus concedida ao homem, este é capaz de fazer com que esse cadáver recupere a vida, e volte a dominá-lo como a um escravo , daí a necessidade de dar continuidade ao progresso dessa nova vida que foi-lhe dada, almejando conformar-se sempre mais à imagem de Cristo pois para isso fomos predestinados, dado que ele é o primogênito de muitos irmãos .
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